12 de nov. de 2011

Vida Nova



Acordo confuso, sem a mínima noção do que aconteceu. Passo as mãos pelo rosto, como quem busca respostas nas profundezas da mente. Olho para o outro lado da cama, um bilhete posto sobre o lençol serve de prenúncio, já vi muitos como este outrora. Estico o braço, agarro o bilhete e abro: 'Amei esta noite, me liga assim que puder'. Não pude deixar de reparar na letra horrorosa e ridícula em que alguém escreveu o recado. Sim, alguém, não sabia quem o tinha escrito. Na realidade não sabia o nome de quem escreveu, mas ao reler o bilhete, facilmente chego à conclusão de que mais uma noite agitada passou pelo meu quarto. Sim, mais uma daquelas noites em que sinto nojo do meu próprio corpo, mas quero continuar assim. Sei perfeitamente os acontecimentos que antecederam a este momento atual. Entrei num bar, avistei um corpo com formas avantajadas e fiquei rendido. Puxei conversa, ganhei confiança e dei o bote. A gente bebeu até cair na minha cama e os nossos corpos ficarem nus. Sempre assim, nenhuma novidade, nenhum esforço. A normalidade de uma vida fracassada. A minha vida oscila entre a malícia e a inocência. Entre rostos sem nome, aventuras de uma noite com pessoas que não significam nada para mim. Tudo por interesse, tudo frio, tudo contraditório ao que fui.

Levanto mas permaneço sentado na beirada da cama. Estou um pouco tonto, a minha cabeça gira cruelmente, uma fraca dor de cabeça começa a martelar na testa. Enfim, marcas de uma ressaca.

Fico de joelhos e olho para debaixo da cama. Agarro o retrato e o trago para cima. O mesmo retrato que escondo todas as noites debaixo da cama. O mesmo retrato que só uma ainda descobriu, ficando durante segundos a admirar uma felicidade não fingida. Como se não acreditasse que era eu, recém-casado e com um sorriso de orelha a orelha. Abraçado com quem eu acreditava ser a mulher dos meus sonhos. Mas na realidade, foi a mulher dos meus piores pesadelos. Eu já fui outro em tempos remotos. Vivi outra vida, vivia para uma mulher. Agora vivo para mim, para mulheres. Esta nova vida, vivo por puro deleite. Não acredito mais nas mulheres, não acredito na mulher perfeita nem tampouco na princesa eleita. Desisti de tentar entender o motivo pelo qual vi minha esposa na cama com outro. Sim, fui traído. Mesmo doando o melhor de mim, em troca recebo o pior dela. Na nossa cama, com mãos estranhas a percorrerem seu corpo. Desde essa desgraça eu mudei. Talvez não para uma vida melhor, mas para uma vida mais fácil. Sem sentimentos em jogo, sem despertar a dor. Apenas com dois corpos desconhecidos, livres e perdidos no mundo.

Fico olhando o retrato, ela era realmente linda! Exalava sua beleza em toda a sua plenitude, dava vida e brilho a um retrato morto. Eu nunca pensei que pudesse ser traído por ela, eu apostei minha vida nela, eu fui derrotado. Porém, nos dias de hoje, ela não significa nada para além da insignificância. Pelo menos é o que eu quero admitir.

Subitamente, com a força da raiva que acumulei durante os últimos anos, lanço o quadro contra a parede do quarto. Vidros voam e se dispersam, o quadro é destruído, a fotografia cai no chão. Dou uns passos e agarro a fotografia. Então lentamente a desfaço em pedaços. Sinto prazer em ver seu rosto sendo desfigurado em cada pedaço que desfaço. Por fim, jogo as partículas no lixo. Não quero mais vestígios dela na minha casa. Hora de limpezas.

Bruno G. Weldt